até terça-feira passada, eu acreditava que os bebês eram seres gerados no estômago de suas mães. coisa simples. felizmente marlene dietrich, numa madrugada fria, alertou-me sobre existência de um estranho orgão chamado útero. fiquei muito impressionado com isso. no outro dia, busquei informações com o antropólogo russo mischa titiev e ele me disse o seguinte:
“Há muito pouco, no domínio do puro comportamento biológico, que possa diferenciar um membro da espécie Homo Sapiens de um indivíduo pertencente a muitas outras espécies de mamíferos, principalmente em relação aos grandes Primatas tais como os orangotangos, chimpanzés e gorilas. Uma vez que lhes seja proporcionado um ambiente favorável, os seres humanos podem desenvolver larga série de atividades, apenas com o seu equipamento biológico, geneticamente determinado e hereditário, por muito inadequado que este possa ser em certos aspectos. A título de exemplo bastará considerar os hábitos de vida dos primeiros hominídeos. Ninguém que esteja vivo sabe como é que as primeiras criaturas semelhantes ao homem realmente viviam, mas, partindo do princípio que seus corpos eram constituídos de forma muito semelhante à do nosso, pode ser instrutivo tentar imaginar o que eles faziam.
Como conjetura, pode-se supor que as suas vidas estavam ajustadas para fazer face, em exclusivo, às necessidades do mundo biológico. Involuntariamente os seus pulmões inspiravam oxigênio, os seus corações bombeavam sangue e as temperaturas dos seus corpos normalmente permaneciam num nível constantemente elevado. Sempre que se esforçavam, eles respiravam mais fundo do que habitual e sentiam-se cansados; quando tinham frios, os seus dentes rangiam e os seus corpos tremiam; quando tinham calor suavam; e sempre que se sentiam suficientemente cansados descansavam ou dormiam. Se os seus estômagos se contraíam eles sentiam as dores da fome e pensavam em levar comida às suas bocas, onde era umedecida, mastigada e enviada para o tubo digestivo. Quando havia pressão na bexiga eles urinavam e quando seus intestinos estavam cheios defecavam.
Os corpos masculinos estavam organizados de maneira a formar células espermáticas nos testículos e os corpos femininos a produzir células ovulares nos ovários. De tempos a tempos os seus orgãos genitais eram estimulados e eles copulavam. Se a fertilização se seguia a este ato, os períodos menstruais da fêmea eram suspensos e formava-se um embrião dentro do seu corpo, onde era alimentado, ao longo de uma gestação de cerca de nove meses, por intermédio de um dispositivo placentário. Depois de dar à luz ao seu filho, a fêmea separava aquele dispositivo do seu corpo logo a seguir ao parto, amamentava a criança e ajudava-a muitas vezes até que ela atingia uma fase em que já podia mover-se por si própria. À medida em que os anos iam passando, os corpos dos machos e das fêmeas sujeitavam-se a algum acidente, ou doença fatal, ou iam envelhecendo e deteriorando-se. Então, a morte vinha terminar os aspectos biológicos do seu comportamento e os cadáveres decompunham-se de acordo com as leis imutáveis da física e da química.”
II
titiev me impressiona não apenas por suas idéias, mas também pelo fato de falar português tão bem, mesmo tendo nascido em um lugar como kremenchug. e ele, não satisfeito com todo esse discurso, segue mais adiante nos classificando como seres vivos do reino animal, subreino dos metazoários, filo dos cordados, subfilo dos vertebrados, classe dos mamíferos, subclasse dos uterinos, ordem dos primatas, subordem dos antropoídeos, gênero homo, e, enfim - isso tinha que terminar em algum desastre – como pertencentes da espécie conhecida como "sapiens". pra quem não sabia nada sobre o útero digamos que a conversa me foi bem proveitosa.
agora, passando do útero ao problema do suicídio, o que isso nos tem a dizer sobre o tabu indiano contra o abate de vacas? e sobre o tabu judaico contra a carne de porco? e o que dizer sobre o tabu dos tapirés contra a carne de veado? e os balinenes, que para entrar entrar em determinados estados de transe cortam com uma mordida a cabeça de galinhas, balbuciam palavras de forma confusa, giram enlouquecidamente e até comem fezes? será a cultura apenas um disfarce, uma indumentária, um aparato artificial colocado acidentalmente sobre essa espécie de macaco esperto, apenas para confundir aqueles que buscam uma explicação coerente pra esse estado de coisas?
e as valorações estéticas, o sentido do belo, as noções de certo e errado? o que dizer sobre os impulsos sexuais e, como consequência, sobre as escolhas que machos e fêmeas fazem com objetivo de trazer ao mundo novos herdeiros aos filhos de adão? o que os nossos genes têm a dizer sobre a vida cotidiana? que por trás de toda forma de expressão cultural existe uma instituição universal chamada natureza humana? e que esta, por sua vez, é regida por leis imutáveis, como as leis da química e da física? será que devemos descartar as alegorias carnavalescas da cultura e substituí-las milagrosamente por alegorias menos extravagantes? será que, no fundo, no fundo, george, franscisco, adolfo, eu e você, somos a mesma pessoa?
celeuma II: porque os americanos são uma espécie em extinção ou o fantástico equívoco de mischa titiev