quinta-feira, 2 de agosto de 2007

fernando pessoa

eu tenho um amigo que diz que a antropologia, e tudo que vem do centro de filosofia e humanas da ufsc, não serve pra nada. relendo um fragmento de meu diário de campo, confesso que fiquei inclinado a acreditar nisso. segue o texto:

“Começo da tarde de uma quarta-feira no bairro universitário. Tendo já almoçado no r.u., dirigia-me para casa, quando encontrei um dos sujeitos à caminho de um pasto, com objetivo de colher cogumelos. Fui convidado para ir junto. Aceitei. Então tomamos um ônibus e nos dirgimos a ele. Lá, ainda com alguma dificuldade, conseguimos encontrar uma quantidade que na hora pensarmos não ser suficiente para os dois. Comemos os cogumelos no próprio pasto, e nos dirgimos para um bar. Estava muito quente, e uma cerveja não pareceu uma má idéia. No meio da segunda cerveja, para minha surpresa, as coisas começaram a se modificar. Senti que as batidas do meu coração tornaram-se mais rápidas, o que me deixou meio assustado. Fazia tempo que eu não participava de experiências do tipo. Também fiquei bastante intrigado com as fotografias das capas das revistas da banca que ficava ao lado. Elas pareciam estar respirando. Então, subitamente levantei-me agitado e falei a K que precisava sair dali, pois não estava me sentido bem. K me disse que a pupila dos meus olhos estavam dilatadas. Ele parecia muito tranqüilo. Decidirmos ir a praia. O trajeto durou cerca de trinta minutos. O efeito dos cogumelos pareceu atingir seu ápice durante o percursso. Quase não conversamos durante isso. (...) De frente para o mar, sentado em meio as pedras, senti-me aliviado. Então conversamos sobre música, poesia e sobre a experiência de estar vivo. (...) Após um momento de silêncio, senti-me deprimido, pois tinha planejado escrever naquela tarde e estava ali irresponsavelmente contemplando o mar. Falei isso a K. Disse que era absolutamente frustrante ter que conviver com isso. Se por um lado, estava achando a experiência magnífica, por outro, estava bastante chateado com o fato de não estar fazendo o que havia planejado. A questão era saber como conciliar as dimensões dessa existência dúbia. K, após um momento de silêncio, e algumas poucas palavras, recitou-me um poema de Fernando Pessoa: "Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim, em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive”. Adoro Pessoa, e posso dizer que conheço relativamente bem seus poemas, mas a maneira como as palavras iam se apresentando deslocavam a sua audição para um universo onde não haviam poetas, escritores, ou coisas desse tipo. O que havia ali eram poderosas palavras, que talvez se tivessem sido apresentadas em outras circunstâncias não revelariam toda a sua força. Naquele momento, posso dizer que compreendi Fernando Pessoa. E isso mudou a minha vida.”

2 comentários:

Anônimo disse...

lindo texto! se as ciências humanas não servem pra nada eu não sei, mas que cogumelos, pessoa e escrever servem, ah isso servem.

Malcolm Robinson disse...

grato pelo texto. especialmente vindo de alguém que mora em wonderland.