sobre os acontecimentos do dia 16 de abril de 2007, que culminou com o homicídio de 32 pessoas em uma universidade da virgínia, nos estados unidos da américa.
em primeiro lugar, é preciso entender que toda essa falácia sobre a americanização do mundo, ou do brasil mais especificamente, é um equívoco do pensamento comum. a gente até assume como imperiosa um certa necessidade de importação dos seus bens culturais - eles têm o dinheiro -, mas as coisas terminam por ai. americano nenhum vai se sentir em casa, atravessando as ruas de copacabana ou comprando o "não-sei-o-que-do-boto-cor-de-rosa", no ver-o-peso, em belém do pará. então, a gente não pode tentar explicar o que acontece com eles a partir das coisas que acontecem aqui, ou no azerbaijão. nós temos outro tipo de violência.
em segundo lugar, antes de qualquer coisa, é um problema cultural. o problema não está no indivíduo (é claro que é preciso que algumas coisas aconteçam na cabeça do cara pra ele sair por ai atirando em todo mundo), mas no sistema de símbolos que ele usa pra orientar o seu comportamento. estes símbolos são exteriores, não estão na cabeça de ninguém, mas trafegando por ai, perdendo e ganhando significado cotidianamente, como já nos explicou wittigenstein. passando da filosofia para antropologia, a culura passa a ser considerado um sistema de símbolos que serve para orientar o comportamento dos indíviduos, e sem o qual a experiência humana seria algo vazia, desprovida de significado, e perderíamos de vista, dessa forma, as fronteiras que delimitam aquilo que achamos que sentimos.
acredito que alguns dos símbolos ou sistemas de símbolos da cultura americana são os motivadores desse bang-bang todo. eu me refiro a "number one", "looser", "i'm good", "black and white", "popular", "time and money", entre tantos outros, que que se retirados do contexto do "american way of life", perdem completamente o significado. não tenho dúvidas: nenhum destes termos têm equivalentes em outras culturas. embora o brasil possa ser considerado sob alguma perspectiva uma “pátria de derrotados”, nós não encontramos “loosers” nele. ilustrando isso para não nos distanciarmos muito da superfície dos fenômenos, um taxista estava me falando outro dia: “a vida é uma merda, mas é bacana”. genial. quem conhece uma roda de samba, entende o que ele quer dizer com isso.
enfim, o coreano. eu não falei que só estes símbolos impulsionaram o cara a cometer o massacre. é claro que problemas psíquicos tem parte nisso tudo. mas um cara com o pau do mesmo tamanho (como é que tu me defendes uma tese dessas?!), mesmo abandonado pela namorada, talvez não fizesse a mesma coisa em terezina. então, o quadro psiquiátrico dele produziu um evento que apenas poderia ter sido realizado lá, nos estados unidos. às vezes, essas coisas acontecem em outros lugares (em são paulo tem o caso daquele cara do cinema – um incompetente, aliás; se o coreano, ou qualquer um que não fosse brasileiro, tivesse a mesma oportunidade, teria feito um trabalho mais eficiente), mas se tratam de fenômeno tão raros, que não podemos pensá-los em termos culturais (um aninal da espécie sapiens não deixa de ser considerado um bípede, apesar de eventualmente faltar-lhe uma ou duas pernas). o fato é que se tu reunires os principais símbolos do "american way of life", sob o pano de fundo da alta competividade e da paixão quase religiosa por armas de fogo, estarás constituindo às condições ideais para que a imprensa continue nos divertindo com os seus espetáculos de arte.
e-mail à lilian witfibe.
abril de 2007