sábado, 30 de junho de 2007

vou tirar você do meu sapato

um amigo meu, compositor, me pediu que lhe enviasse alguma coisa pra ele musicar. aqui está a letra da canção:



vou tirar você do meu sapato


vou tirar você do meu sapato o tempo segue a sua velocidade e o amor não cabe num comportamento que aflição ninguém sabe nada sobre o amor desta palavra esquisita que serve para definir uma função fisiológica que as pessoas revestem de um sentimento puramente decorativo e penduram na parede do lugar comum ao lado do vaso com as rosas artificiais dessa enrascada que me botaram sem pedir licença tudo bem ninguém sabe nada sobre o amor e até que posso tentar entender o teu químico amor e porque continuas tentando maquiar o tédio apontando o culpado da monotonia dessa terça-feira mas não comprei o último lançamento da música sertaneja o inferno é o caminho do céu então me certifico olhando para o relógio para saber em que terras do tempo meu corpo emerge da areia ao sol refletindo idéias


dentro do meu corpo percebo-me sentado pensado no corpo pesado dentro do sono lesado tentando dizer pra você que mesmo pensando sentado ao teu lado eu continuo errado ontem fez um dia lindo com sol e céu vermelho e eu já cansei de tentar mudar não acredito mais em coisa alguma e ainda assim você continua insistindo em me dizer que ando distraído talvez chico buarque com aquela velha história que a tal menina não tinha nada com a sua vida pudesse me dizer alguma coisa a respeito diz que deu diz que dá diz deus dará oh nega eu já estou de saco cheio e aproveitando a oportunidade vou andando pelo muro quando de repente encontro alguém que reclama do meu cigarro assustado cansando e com fome desço do muro com medo que essas normas jurídicas possíveis e imprevisíveis possam me enquadrar pulo fora pela esquerda e quando levanto a cabeça meu pensamento que cambaleia pelo asfalto do esclarecimento me fez lembrar que não tenho nem uma moeda no bolso e nenhum lugar me espera mas é daí é preciso compreender a importância do diabo para consagração definitiva de deus e se eu quiser também lhe dizer adeus ou tentar lhe convencer que deus e o diabo são a mesma pessoa por amor não tente me entender

quarta-feira, 27 de junho de 2007

notícias sobre a minha morte

um pouco depois da divulgação via e-mail de “futebol, nazismo e identidade cultural”, em novembro ou dezembro do ano passado, o paysandu caiu sei lá pra que divisão. na seqüência, recebi o seguinte recado:

“A queda é uma questão filosófica visceral: conhecer um homem em seu apogeu e admirá-lo é tarefa fácil. Conhecer um homem em sua queda, ver suas reações, sentir a força marmórea de sua dignidade insuspeita, isto sim é conhecer alguém em sua profundidade.

O Paysandú caiu. Viva o Paysandú!”

A.N.


segue a minha resposta:

“se o seu texto é uma espécie de resposta a crônica de minha autoria, tomo de assalto groucho marx para esclarecer que só a escrevi porque recentemente cheguei a conclusão de que as notícias sobre a minha morte soavam um tanto exageradas. coisas de um velho junkie decadente. após ler o seu texto, vi-me subitamente sob nova onda de estímulos. mas farei de conta que não é a vaidade que norteia nossa indisfarçável ciranda de devaneios. e que minha crônica falava de futebol.

munidos desse requintado alfabeto de predicados e prerrogativas lapidaremos cada palavra desse debate com o desvelo do artesão que lapida a própria tumba. mais adiante, tomaremos nossas vísceras como testemunha, e, orgulhosos de nosso fervor religioso, cantaremos aos nossos totens preferidos uma febril canção de louvor. nada mais civilizado.

se não o for, pouco importa. poupar-me-ei do esforço de ter que digerí-lo. mas ligarei imediatamente a televisão para esperar ansiosamente os gols do fantástico. nunca se sabe. bernard shaw já nos chamou a atenção do grave inconveniente de não termos olhos na parte de trás da cabeça.”

segunda-feira, 25 de junho de 2007

futebol, nazismo e identidade cultural

ontem fui a ressacada ver o jogo do paysandu contra o avaí pelo brasileirão. boa experiência. quando os jogadores entraram em campo e foram nos saudar, percebi que eles eram mais numerosos do que nós, os próprios torcedores. pensei que coisas do tipo só aconteciam em competições de xadrez. apesar disso, fazia tempo que eu não via tanto paraense reunido, e de vez em quando em me pegava pensando no que faz o paraense, paraense - tal qual já o fez roberto da matta em relação ao brasil. perguntei a amiga que me acompanhava, o que ela via de distintivo naquele povo. nada. perguntei se ela percebia alguns índios entre eles. também não. demorei um pouco, mas acabei entendendo que cocar, colares e pinturas faciais são bem diferentes de camisas de futebol. e que torcedores de futebol são o mesmo tipo de entidade carnavalesca, onde quer que estejam chacoalhando suas bandeiras.

o jogo foi bom, movimentado, e me senti bem em estar ao lado do meu povo, diante de milhares de avaianos fanáticos. ser minoria, especialmente num campo de futebol, dá um certo sentimento de heroísmo, de bravura. é uma coisa meio esquisita, mas está profundamente ligada aos devaneios desse tipo de mamífero que nós somos. a impressão que me passa é que nós estamos o tempo inteiro reescrevendo as páginas de “mein kampf” – aquele livrinho engraçado do hitler. nós não falamos alemão, mas as mentiras que nós contamos a nós mesmos são igualmente cômicas.

numa partida de futebol, isso tudo fica bem claro. de um lado, “os eleitos”, a quem seu deus lhes disse, “faça justiça!”; do outro, a própria “corporificação do mal”. nós estávamos, é claro, separados da “corporificação do mal” pelo alambrado - o que não impedia a mútua provocação entre os torcedores. em alguns momentos, a guerra entre as torcidas ficava mais interessante do que a própria partida. o ponto culminante disso tudo aconteceu quando a torcida do paysandu, depois de quase esgotar seu repertório de insultos e agressões verbais, passou a chamar em coro os torcedores avainos de gaúchos. “gaúcho! gaúcho! gaúcho!”. um dos torcedores do avaí, dos mais exaltados, se aproximou do alambrado e, com o dedo em riste, disse aos berros: “gaúcho, não! gaúcho não!”. entendi. comentários sobre os hábitos – digamos, irreverentes – de sua própria mãe, pode. gaúcho, não.


o paysandu perdeu o jogo. uma pena. duplamente. por que, em primeiro lugar, ganhar o jogo ali no centro do caldeirão avaiano seria um presente dos deuses. e depois, embora o avaí seja bicolor, como o paysandu, ele também é chamado por seus torcedores de leão. como aquele timinho paraense, que não lembro mais o nome.

domingo, 24 de junho de 2007

a convocação

"no futuro, todo mundo vai ser famoso por quinze minutos."
andy warhol

I

ninguém entendeu quando foi noticiado pela rede globo de televisão a convocação de luis pantoja filho para seleção brasileira de futebol. ele, que tinha como único grande feito esportivo uma terceira colocação no campeonato de pingue-pong do torneio de rua da pedreirense, agora via-se frente a frente com o inimaginável. só podia ser engano. mas não o era. no outro dia, estavam estampadas em todos os jornais do país as fotografias dos vinte e dois convocados para disputar a copa do mundo, e a foto de pantoja estava perfilada entre dunga e junior baiano. surpreendentemente o professor zagallo havia definido o quadro titular e pantoja estava convocado para jogar no ataque ao lado de ronaldo, colocando o astro romário na reserva. pensou definitivamente estar enlouquecendo quando alguns minutos após a notícia da convocação percebeu que na frente da sua casa uma multidão gritava em coro seu nome: "ei, ei, ei, pantoja é nosso rei!". ele, que há muito tempo morava só, tremia desesperadamente numa agonia surda. tinha pavor de multidões e agora pensava nervosamente como poderia ter sido convocado para a seleção se a última partida de futebol que jogara havia sido realizada em 1994, num torneio entre solteiros e casados que a companhia de transportes em que trabalha patrocinou. e com o curioso detalhe que naquela partida ele jogou no gol. só podia estar enlouquecendo.

o fato é que após ligar a televisão para esquecer todo aquele tumulto, pantoja viu-se como comentário principal de importantes celebridades paraenses. até o yamada, que detestava futebol, se emocionava afirmando que sempre acreditou no talento do novo convocado. o governador não conteve as lágrimas. almir gabriel já tinha planos inclusive para em breve substituir o nome da almirante barroso, por avenida luis pantoja filho! agora ele era o orgulho incontestável do estado e até o presidente da república havia enviado um telegrama para o governador, felicitando-o pelo importante acontecimento. a imprensa preparava uma entrevista coletiva em cadeia ao vivo para todo território paraense e pantoja tomado por um insólito embrulho no estômago, olhava para tela da tv com cara de quem tentava de entender.


II


no outro dia, de manhã cedo uma comitiva da CBF, após afastar a excitada multidão, bateu na sua porta. sem nada perguntar arrancaram-lhe pelos braços caso a fora, sob os protestos do atônito homem que tentava lhes convencer que aquilo se tratava de um engano. com o pensamento ainda embotado pela garrafa de velho barreiro que havia tomado para tentar dormir, foi jogado num microônibus em que se via as inscrições "BRASIL RUMO AO PENTA", em letras garrafais!
já no rio de janeiro tentou convencer o presidente da confederação que estava muito feliz por ter sido lembrado, que inclusive quando criança sonhava em jogar em jogar pela seleção, mas infelizmente não tinha talento para jogar futebol. afirmava que apesar do dinheiro que ele sabia que a fama ia lhe proporcionar, estava muito satisfeito com a anônima vida que levava e, portanto, não queria ir para frança. sem ouví-lo, sentando na suntuosa cadeira de seu gabinete, ricardo teixeira argumentava entusiasmado sobre a importância do "penta" para a sofrida população brasileira e que os jogadores deveriam "isso e aquilo", e que a marcação não podia ser "homem a homem" e todo mundo deveria jogar sério, e "já estamos providenciando seu passaporte que o embarque será amanhã!"


III


pantoja, acuado, parecia ser o único inconformado entre os convocados. encontrou os jogadores que só conhecia pelo "globo esporte". leonardo lhe deu uns tapinhas nas costas, "força, irmão!". zagallo, por sua vez, gesticulando nervosamente, já lhe apresentava o desenho tático do ataque brasileiro, ressaltando a importância de sua flutuação pelas alas para tentar romper o forte bloqueio defensivo escocês. denilson e rivaldo o tratavam como velhos amigos. romário nem o olhava.


IV


chegado o dia da estréia, a caminho do "parc de princes", pantoja conflitava silenciosamente: "por que logo comigo?". de qualquer maneira, agora era tarde demais já que a fanática multidão lotava o estádio e ele estava no globo central do gramado esperando o momento do juíz apitar para dar início a partida. e foi dado o início! pantoja toca a bola para ronaldinho, que toca a bola para rivaldo que passa a esquerda e chega a roberto carlos que dribla um, dribla dois, devolve para rivaldo, que obedecendo um berro do capitão dunga lança em profundidade para cafu, que velozmente dá um chagão no imenso zagueiro escocês e cruza para grande área. o goleiro voa, mas deixa escapar a bola na frente de pantoja, que sozinho na frente da trave faz o gol! gol do brasil! desses que até o fernando vanucci faria. 1 x 0.

dado o reinício da partida, o meio campista da escócia malcolm robinson, já percebendo quem era pantoja acerta-lhe um violento pontapé, que deixa nosso craque no chão, silenciando o estádio. o meio campista escocês é expulso sob as vaias da torcida e pantoja sai de maca do campo, do qual não retorna mais. o brasil vence o jogo com esse gol, pantoja sai carregado pelos companheiros como herói da partida e no dia seguinte a manchete do jornal "l'equipe" noticía o surgimento de um novo fenômeno no futebol. a foto colorida de pantoja sendo carregado pelo escrete brasileiro enaltecia em brilho a festa nacional. a imprensa francesa o chamava de "le formidable", enquanto deus e o diabo testemunhavam o orgulho eminente que o olhar de pantoja expunha ao ouvir a sonoridade do seu nome pela voz dos comentaristas franceses: "luí pantojá".


V

deu entrevista coletiva com tradutores para dezenas de idiomas. pantoja aos poucos ia se adaptando a situação. riu timidamente quando um jornalista belga, que trabalha para uma revista de variedades em nova york, o indagou sobre o comentário oportunista que sharon stone fez sobre sua maneira algo "sexual" de fazer gol. ele não entendeu a piada, mas suas frases significavam furos de reportagem e rapidamente chegavam as páginas de jornais de todas as partes do mundo. em meio a um animado grupo de jornalistas, respondeu a um renomado crítico futebolístico do cazaquistão sobre os erros táticos de zagallo: "a gente tem que dar crédito ao professor. ora, com exceção da ana paula arósio, ninguém é perfeito", e os jornalistas caíam as gargalhadas.
como se encontrava gravemente contundido, nosso craque não jogou mais nenhuma partida na copa. mas o brasil foi campeão, apesar de não apresentar um bom futebol, fato que os críticos atribuíam a ausência de luis pantoja no ataque, como elemento fundamental de desiquilíbrio das partidas. podíamos ver inclusive no pomposo "apito final" da bandeirantes, os comentários de gérson a respeito da importância daquele primeiro gol brasileiro na copa: "a participação de pantoja foi fundamental: time brasileiro que não vence na estréia, não sei não", filosofava ferozmente.

VI

juntamente com o resto da seleção luis pantoja voltou para o brasil. fernando henrique cardoso e dois ou três ministros os esperavam no hall do aeroporto do galeão. nosso convocado, que se sempre se achara feio sob qualquer ponto de vista, agora era saudado por bronzeadas cariocas aos berros: "lindo, lindo, lindo!". exageravam, obviamente, mas sob o carro dos bombeiros o paraense desfilou pelas ruas do rio de janeiro ofuscando o brilho dos outros jogadores, que, no fundo no fundo, sentiam uma leve inveja de tão ascendente personalidade.


VII


pantoja nunca mais jogou futebol. os anos se passaram, e cada vez mais acreditava que tinha pendurado as chuteiras no momento ideal. já era rico, famoso, tinha todas as mulheres que desejasse e não havia porque sacrificar-se em novos esforços. mas pelo menos a velhice, passada confortavelmente em uma de suas muitas fazendas, o trouxe uma certeza: tem coisas na vida que não precisam ser explicadas.


junho de 1998.

sábado, 23 de junho de 2007

a caça

faço questão de estar errado
não pertenço a tua língua a tua raça não sou tua caça
não pertenço a nada

eletrodomésticos

tá bom, tá bom, não existiam vacas. mas hoje em dia elas estão por ai, circulando por todos os lados. vacas subindo e descendo de elevadores. vacas entrando em shoppings, vacas indo comprar pão, vacas retocando a maquiagem. e vacas esperando seus bois chegarem em casa com um homem ensanguentado nos ombros.

adaptção de scrap-celeuma à vladimir i. ulianov lennin.
16.VI.07

ateísmo

o meu problema com o ateísmo é que ele é, ao contrário do que seus pregadores dizem, excessivamente impregnado de crendices. é muita crença pra um descrente como eu.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

o diabo

eu não costumo ler os jornais árabes, mas certamente em algum lugar a gente vai encontrar alguma coisa do tipo "o eixo do mal segue em direção a bagdá". e mesmo nos jornais protestantes daqui, tu vais ver que o diabo que é o culpado de tudo. o cara chega bêbado em casa e vê que não tem feijão na panela e toca fogo na casa – foi o diabo! perdeu o emprego, tá viciado em drogas, matou a mulher a facadas - foi o diabo! até o tal do rock’ roll já falaram que é coisa dele (é claro que hoje em dia tem seita protestante que ao invés dos antigos hinos, põe o pessoal pra afastar o diabo com o próprio rock. e se o diabo inventou o rock, então ele chegou na américa em algum navio negreiro – embora eu tenha lido num livro que ele é vermelho).

scrap-celeuma à brigitte bardot.
s/d

homem coloca a filha no microondas e a mulher culpa o diabo por isso

apesar de serem parecidos em diversos aspectos, o jornalismo e antropologia guardam algumas diferenças. eu não posso falar muito pelo jornalismo, mas acho que vocês devem ter em meta algo como "o fato" - que precisa ser descrito, com o máximo de “exatidão”. mas "fato" é só uma palavra. a descrição dele, a matéria, a reportagem, é uma descrição de algo que ocorreu, sob o qual o jornalista fará recortes principalmente a partir de uma série de prioridades editoriais. e a desrição já trás em si muito do jornalista.

observe a chamada da folha de são paulo: "homem coloca a filha no microondas e a mulher culpa o diabo por isso". nota que as maneiras de contar o fato são na verdade recriações, uma abstração sobre o que de fato ocorreu, e que só pode ter tido vida no momento de sua ocorrência. embora o jornalista queira trazer as informações de uma maneira imparcial, ele está criando na verdade ao espectador a ilusão que ele está vivenciando a realidade. mas não está.

percebemos logo de cara que o jornalista, e o leitor-modelo desse veículo de comunicação, não acreditaria que o diabo (que deve estar agora inocentemente sentando em uma confortável poltrona vermelha no inferno se lamentando “o que que eu fiz dessa vez?!”) foi o verdadeiro culpado pelo crime - senão, a manchete não teria tal acusação. por outro lado, uma sociedade com crenças acentuadas em “forças do mal” estaria convencida de que um homem não seria capaz algo do tipo, de forma que se tratava realmente de uma ação de lúcifer - ou seja lá como eles chamam o cara-, e a chamada nos revelaria outro "fato".

nesse sentido, se está criando, tecendo, construindo algo. quando tu perguntas pra uma pessoa como foi a noite, ela pode te dizer que foi legal, que fulano e beltrano estavam lá, e que ela passou três horas e meia tentando sair do banheiro, mas que não encontrou a porta de saida porque estava absolutamente bêbada. e tu podes até dizer que entendeu. mas o que foi vivido, como nos mostra clarice lispesctor, não é relatável, não é vivível. agora acredito, e acho que esse é o ponto chave da questão toda, é que alguns dos elementos do "evento" podem ser transmitidos ao espectador de maneira bastante precisa (bin laden derubou dois prédios, e não três casas). talvez por isso tu tenhas discordado da afirmação de que todo escrito é uma forma de ficção - e eu concordo contigo apenas nesse sentido.

no sentido jornalístico dizer que tudo é ficção é simplesmente sepultar toda credibilidade da imprensa. imagina um jornalista dizendo ao editor-chefe que não foi fazer a matéria porque "criou o que aconteceu". se ele não for sobrinho do dono da empresa, vai encontrar alguns problemas depois pra pagar suas contas. agora na antropologia a coisa toda segue uma outra orientação. eles também tabalham com "fatos" no sentido jornalístico, mas se o projeto fica nisso, ele torna-se um trabalho jornalístico - então pra que precisaríamos de antropólogos? a diferença é que o objetivo não é descrever o fato, mas compreender porque os caras estão agindo dessa ou daquela maneira. e aqui, a antropologia é uma ficção. alguém vai lá, observa, participa, e volta com um conjunto de textos de baixo do braço. ficções.
scrap-celeuma à lilian witfibe.
s/d

natal

não consegui nem os 50% da prova de português! mas já tô resignado com a minha incompetência lingüística. depois do concurso, um amigo meu, poliglota, me disse que português é uma língua dificílima! é um bom amigo. vou lembrar de mandar um bonito cartão de natal pra ele.


scrap-resposta à clarice lispector.
s/d

em busca do cálice sagrado

por falar em rivotril, semana passada eu fui no psiquiatra pra ver se me livro do medicamento – que é um ansiolítico - e o cara, parece que ele não entendeu muito bem o que eu tava falando, me deu gratutitamente um caixa de anti-depressivos! anti-depressivos! o problema é que eu sou apenas um pouco agitado, e tenho esse problema pra me desligar, mas não eu estou deprimido! como diz o velho moribundo de "em busca do cálice sagrado": “i'm not dead! i'm happy! i'm happy!”.


scrap à timothy leary.
s/d

resposta do colonizado

1) eu não tenho nada a ver com essa coisa de brasilidade, a não ser o fato de infelizmente ter nascido aqui. preferia ter nascido no camboja.
2) as fronteiras políticas entre as nações, e, por conseqüencia, a constituição das fronteiras lingüisticas entre elas, é coisa antiga. quem tinha o tacape tinha a vantagem. foi o que aconteceu no brasil. os indígenas tinham a cabeça e não o tacape. por isso falamos português.
3) será que tenho a obrigaçao de falar, produzir, cantar ou escrever em português por que tenho um estômago?
4) o que os potugueses fizeram no brasil foi pior do que os alemães fizeram com os judeus na decada de 40. hitler é um santo, perto dos imperialistas portugueses dos séculos XV e XVI.
5) o inglês é um idioma britânico.
6) não gosto do argumento do tipo "nosso idioma é o tupi" - os próprios bons selvagens matavam-se uns aos outros em nome de sua própria nação. eu não acredito nem em portugueses, nem em indígenas, nem em americanos. eu não acredito na humanidade. mas eu poderia compor uma bossa-nova em tupi pra demonstrar minha preocupação pela causa indígena.
7) isso tudo pode parecer um pouco ácido demais. mas, tu nao imaginas a quantidade de vezes que tive me defender de agressões de pessoas que acham um absurdo eu compor em inglês. em mesa de bar, eu já tentei explicar, tentei usar todo tipo de argumento razoável, mas não dá certo, porque a gente tem essa loucura de acreditar que deve defender nossa pátria (aliás, uma coisa que beira ao militarismo). então, quando alguém me pergunta num boteco porque que eu não componho em português, eu respondo simplesmente que não o faço, porque o considero um idioma feio - que é uma inverdade, mas pelo menos dou um corte e a celeuma toma outro rumo.
scrap-resposta à maria bethânia.
s/d

o concurso

que pena que você desistiu do concurso. é verdade que os programas são pesadíssimos. no concurso pra sociólogo vai cair até lingüística. o cara tem que estar afim mesmo de passar - ou, sei lá, endividado - pra encarar tamanha empreitada. eu vou de todo modo. eu disputei um concurso há cerca de um mês, e fui desclassificado porque não consegui 50% em português! dá pra acreditar? fiz 100% da prova de sociologia. na verdade, oficialmete errei uma questão, mas era facilmente anulável, que era o conceito de “valores sociais” em durkheim, e os caras têm coragem de me dizer que “virgindade” é um valor social. estão todos loucos! se virgindade é valor social, carro, geladeira e sogra também são. e não sou eu quem digo, é o próprio durkheim! virgindade não “é”, ela “tem” valor social! eu nem recorri depois do choque de ter visto o gabarito da prova de conhecimentos gerais. agora vou ter que comprar uma gramática pra aprender a falar português.

scrap à flávia wintenberg.
s/d

ócio

domenico de masi é entre os sociólogos o meu autor favorito. pra mim, ele é sem dúvidas o mais original de todos os autores das ciências sociais - e, olha que sou discípulo de clifford geertz! aliás, os dois são bem parecidos no estilo de escrita. a sensação que eles nos passam é que não estamos lendo um livro, mas que estamos num boteco, entre uma taça de vinho e outra. o geertz, por exemplo, diz em um de seus livros: “o que o antropólogo está se perguntando o tempo inteiro é, afinal, que diabo eles pensam que estão fazendo?”. é como se bukowski tivesse repentinamente se tornado um antropólogo.

se domenico de masi é um pouco mais careta, o mesmo não pode ser dito sobre as suas idéias. tenho um artigo em que ele, fazendo uma metáfora sobre a sociedade ocidental, nos conta a história do de um herói grego que foi punido pelo excesso de engenhosidade. sua pena era transportar uma rocha até o topo de uma montanha. chegando lá, a rocha se precipitava até a base. e ele tinha que fazer de novo, e de novo, a tarefa por toda eternidade. um trabalho inútil. a diferença é que hoje, a sociedade industrial poderia construir um mecanismo eletrônico que fizesse a tarefa por ela. assim, poderia aproveitar todo o tempo livre.

e no final das contas, o que é a “velhice” ou “aposentadoria”, senão uma espécie de sepultura, e, por essa razão, o maior indício que a lógica toda do sistema tá errada? o grande problema é que além de não sabermos o que fazer com o tempo livre, nos sentimos orgulhosos quando dizemos que trabalhamos vinte horas por dia. é como se isso nos absolvesse de toda a responsabilidade pelo fato de uma horda de “vagabundos” estarem “compondo”, “pintando” ou “escrevendo”. e ao mesmo tempo, é como se tais atividades não podessem ser chamadas de trabalho. nós estamos tão impregnados deste tipo de orientação que outro dia o frejat estava contando que seu filho lhe perguntou se ele não trabalhava. esse tipo de coisa não surge por falta de maturidade de uma criança, mas por falta de maturidade do “pensamento do homem contemporâneo” - um estado de sociopatia agudo.

cave de mourville

ah!, antes que eu esqueça, o 'cave de mourville' é um prato que eu achava que tinha inventado. até que um dia, um amigo veio ver a minha alegada invenção e disse: ‘isso é moqueca!’. fiquei chocado com o nome daquela coisa que me parecia tão genial. na verdade, devo ter misturados os sabores de memória e feito alguma confusão, já que o detalhe é que o prato não é exatamente uma moqueca (esse debate, acredite, dura até hoje). trata-se de atum com camarão, batata, cheiro verde, leite de coco e dendê. o charme do prato é justamente a batata que não tem na tal da moqueca. em protesto, tomei a decisão de batizar 'afrancesadamente' o prato. roubei o nome de um texto do veríssimo. (...) e cada vez que alguém pronunciava perfeitamente o nome do prato eu brincava dizendo, ‘não, não, não. preste atenção. a pronúncia correta é cave de mourville', repetindo o nome do prato exatamente como a pessoa o tinha feito alguns segundos antes.

fragmento de scrap-resposta à claude lévi-strauss.
28.XI.06

fumaça de fios queimados

I


falando em energia elétrica ... minha ducha pegou fogo! um espetáculo! terminei o banho congelado! e agora eu tô fumando as 5 mil substâncias tóxicas atribuidas ao meu cigarro, misturada com essa fumaça de fios queimados. tô eperando pra ver o que acontece.

scrap à anna robinson.
14.VI.07


II

não. eu fiquei lá dentro mesmo. desliguei a a ducha. depois continuei tomando banho normalmente. só sai quando não conseguia mais respirar.

scrap-resposta a juliette lewis.
14.VI.07

rock'roll

gosto do que aconteceu com o rock'roll ao longo dos anos. talvez ela seja o único gênero musical cujo desenvolvimento se fundamenta na própria negação do gênero. gosto do rock'roll quando ele não sabe mais o próprio nome. gosto do rock'roll quando ele não lava as mãos antes de comer. quando ele não sai por ai marchando. gosto do rock'roll quando ele se descobre não adaptado. quando ele perde seu emprego. quando ele acende um cigarro trinta segundos depois de acordar. gosto do rock'roll quando ele reclama de sua gastrite. quando ele detesta o rock'roll. quando esquece o caminho de volta pra casa. gosto do rock´roll quando ele se descobre jazz. e folk. e coisa alguma.

o canibal

outro dia, eu estava lendo um desses livros de história do brasil para vestibulandos (um péssimo hábito, eu sei), quando lá encontrei um curioso fragmento. embora cômico, como se extraído de um livrinho barato de anedotas, me parece um tratado sobre a condição humana:

"com o apoio dos soldados e engrossando as fileiras pelo caminho, napoleão avança rapidamente em direção a paris. as manchetes dos jornais parisienses da época informavam: ‘o monstro corso desembarcou na baía de são joão’. ‘o canibal marcha sobre grasse’. mas, a medida que o avanço de napoleão obtinha êxito, os jornais mudavam de tom. ‘bonaparte ocupou lyon’, ‘napoleão aproxima-se de foitenaibleu’. finalmente, um dia antes do irreversível avanço sobre paris, as manchetes anunciavam: ‘sua alteza imperial é esperada amanhã em sua fiel paris".

comunistas

os comunistas são caras engraçados. até a semana passada - eu não sei como é que tá o humor deles hoje em dia -, eles estavam bastante apreensivos com o surgimento de tecnologias "imperialistas de controle mental" como a internet. mas eu tava fazendo as contas ainda há pouco, e descobri que gastei vinte centavos em quatro livros do dvorestky, graças um programinha vagabundo que coloquei na minha máquina imperialista. se eu estivesse fazendo como eles, teria gastado quatrocentos reais, pagando diretamente a grana toda a uma assalariada, que desse dinheiro não ficaria nem com os vinte centavos que eu dei ao provedor. queria saber o que os comunistas acham disso. será que eles sabem usar uma máquina calculadora?

use vírgulas para separar os interesses

eu estava reeditando o meu perfil do orkut e descobri acidentalmente que o pessoal que trabalha na administração dessa josta está realmente preocupado com a gente. e eles me disseram bem no cabeçalho da página de edição: “esta é a sua chance de mostrar às pessoas o quanto você é especial. use vírgulas para separar os interesses”. parece que é um pessoal legal. um povo de confiança. estou tentando me esforçar para não decepcioná-los.

televisão

quem me conhece sabe muito bem que amo os meus livros. entre originais e cópias, tenho mais de 300 deles espalhados pelo meu apartamento – fora os que estão perdidos em bibliotecas clandestinas de florianópolis e belém – e sei lá onde mais; essas coisas circulam. mas cheguei aqui para confessar que muitas vezes prefiro ler televisão. na maioria das vezes, ela é mais incisiva em suas discussões sociológicas do que muito livrinho metido a engenheiro do comportamento. se conseguirmos extrair o tom solene de suas falas, a única coisa que resta é um festival de asneiras com formalidade estética. mas não estou dizendo com isso que o povo é o super-herói desta disneylândia. neste tribunal inquisitório, mocinhos e bandidos estão destinados à fogueira. se isso fosse uma partida de xadrez, estaríamos diante de uma daquelas posições em que ambos os jogadores estão perdidos.

o que mais admiro na tv é sua capacidade de amplificar nossa mediocridade. a tv não cria nada de novo. é sintoma. febre. náusea. ao contrário do que as pessoas imaginam, foi o povo quem inventou o silvio santos. foi o povo quem inventou o tarcísio meira. foi o povo também quem planejou, desenhou e executou o projac. foi o povo quem inventou eu e você. hoje, ele deve estar ocupado com o acabamento de algum novo projeto. afinal, quem está com o poder? o cientista ou o monstro? o grande problema é que essa cambada de imbecis metidos a intelectuais se acham muito mais interessantes do que de fato são. ficam perambulando por ai balbuciando discursos que tem como uma única conseqüência delinear fronteiras culturais como faziam os nambiquaras até bem pouco tempo atrás. é como se a tv habitasse o lado oposto de um eixo horizontal que se inicia lá onde estes farsantes registram editorialmente suas mentiras.

mas não sejamos tão severos. outro dia, a rede globo anunciou a apresentação de uma música inédita do gonzaguinha, e depois, enquanto a música era executada (não por ele, mas por um desses grupinhos orgulhosos de sua higiene sonora), fiquei pensando onde estaria o áudio-original. e ele apareceu. não mais que uns poucos segundos. a gravação era abafada, a voz seca, mas era o original. logo depois, corte, e o grupinho voltou a executar a música. por que não executaram a canção inteira na voz do próprio gonzaguinha? pareceu-me o típico caso “cuidado com o que as crianças vão pensar!”. e isso de fato é um problema grave, porque ficamos o tempo inteiro com essa mania de fazer de conta que somos melhores quando estamos maquiados. será - como nos pergunta bernard shaw - que somos nós fascinando a todos com as nossas melhores roupas, ou somos nós escondendo os chinelos do olhar alheio? espero que quando o primeiro marciano botar os pés sobre a terra, encontre uma tv ligada pra entender um pouco mais sobre eu e você.

morangos silvestres

pra começo de conversa, faço minha as palavras de ingmar bergman:

"minha peça começa com o ator que desce à platéia, estrangula um crítico e, de um livrinho preto, lê todas as humilhações que sofreu e de que tomou nota. depois vomita sobre o público. em seguida, afasta-se e dá um tiro na cabeça".