"no futuro, todo mundo vai ser famoso por quinze minutos."
andy warhol
I
ninguém entendeu quando foi noticiado pela rede globo de televisão a convocação de luis pantoja filho para seleção brasileira de futebol. ele, que tinha como único grande feito esportivo uma terceira colocação no campeonato de pingue-pong do torneio de rua da pedreirense, agora via-se frente a frente com o inimaginável. só podia ser engano. mas não o era. no outro dia, estavam estampadas em todos os jornais do país as fotografias dos vinte e dois convocados para disputar a copa do mundo, e a foto de pantoja estava perfilada entre dunga e junior baiano. surpreendentemente o professor zagallo havia definido o quadro titular e pantoja estava convocado para jogar no ataque ao lado de ronaldo, colocando o astro romário na reserva. pensou definitivamente estar enlouquecendo quando alguns minutos após a notícia da convocação percebeu que na frente da sua casa uma multidão gritava em coro seu nome: "ei, ei, ei, pantoja é nosso rei!". ele, que há muito tempo morava só, tremia desesperadamente numa agonia surda. tinha pavor de multidões e agora pensava nervosamente como poderia ter sido convocado para a seleção se a última partida de futebol que jogara havia sido realizada em 1994, num torneio entre solteiros e casados que a companhia de transportes em que trabalha patrocinou. e com o curioso detalhe que naquela partida ele jogou no gol. só podia estar enlouquecendo.
o fato é que após ligar a televisão para esquecer todo aquele tumulto, pantoja viu-se como comentário principal de importantes celebridades paraenses. até o yamada, que detestava futebol, se emocionava afirmando que sempre acreditou no talento do novo convocado. o governador não conteve as lágrimas. almir gabriel já tinha planos inclusive para em breve substituir o nome da almirante barroso, por avenida luis pantoja filho! agora ele era o orgulho incontestável do estado e até o presidente da república havia enviado um telegrama para o governador, felicitando-o pelo importante acontecimento. a imprensa preparava uma entrevista coletiva em cadeia ao vivo para todo território paraense e pantoja tomado por um insólito embrulho no estômago, olhava para tela da tv com cara de quem tentava de entender.
II
no outro dia, de manhã cedo uma comitiva da CBF, após afastar a excitada multidão, bateu na sua porta. sem nada perguntar arrancaram-lhe pelos braços caso a fora, sob os protestos do atônito homem que tentava lhes convencer que aquilo se tratava de um engano. com o pensamento ainda embotado pela garrafa de velho barreiro que havia tomado para tentar dormir, foi jogado num microônibus em que se via as inscrições "BRASIL RUMO AO PENTA", em letras garrafais!
já no rio de janeiro tentou convencer o presidente da confederação que estava muito feliz por ter sido lembrado, que inclusive quando criança sonhava em jogar em jogar pela seleção, mas infelizmente não tinha talento para jogar futebol. afirmava que apesar do dinheiro que ele sabia que a fama ia lhe proporcionar, estava muito satisfeito com a anônima vida que levava e, portanto, não queria ir para frança. sem ouví-lo, sentando na suntuosa cadeira de seu gabinete, ricardo teixeira argumentava entusiasmado sobre a importância do "penta" para a sofrida população brasileira e que os jogadores deveriam "isso e aquilo", e que a marcação não podia ser "homem a homem" e todo mundo deveria jogar sério, e "já estamos providenciando seu passaporte que o embarque será amanhã!"
III
pantoja, acuado, parecia ser o único inconformado entre os convocados. encontrou os jogadores que só conhecia pelo "globo esporte". leonardo lhe deu uns tapinhas nas costas, "força, irmão!". zagallo, por sua vez, gesticulando nervosamente, já lhe apresentava o desenho tático do ataque brasileiro, ressaltando a importância de sua flutuação pelas alas para tentar romper o forte bloqueio defensivo escocês. denilson e rivaldo o tratavam como velhos amigos. romário nem o olhava.
IV
chegado o dia da estréia, a caminho do "parc de princes", pantoja conflitava silenciosamente: "por que logo comigo?". de qualquer maneira, agora era tarde demais já que a fanática multidão lotava o estádio e ele estava no globo central do gramado esperando o momento do juíz apitar para dar início a partida. e foi dado o início! pantoja toca a bola para ronaldinho, que toca a bola para rivaldo que passa a esquerda e chega a roberto carlos que dribla um, dribla dois, devolve para rivaldo, que obedecendo um berro do capitão dunga lança em profundidade para cafu, que velozmente dá um chagão no imenso zagueiro escocês e cruza para grande área. o goleiro voa, mas deixa escapar a bola na frente de pantoja, que sozinho na frente da trave faz o gol! gol do brasil! desses que até o fernando vanucci faria. 1 x 0.
dado o reinício da partida, o meio campista da escócia malcolm robinson, já percebendo quem era pantoja acerta-lhe um violento pontapé, que deixa nosso craque no chão, silenciando o estádio. o meio campista escocês é expulso sob as vaias da torcida e pantoja sai de maca do campo, do qual não retorna mais. o brasil vence o jogo com esse gol, pantoja sai carregado pelos companheiros como herói da partida e no dia seguinte a manchete do jornal "l'equipe" noticía o surgimento de um novo fenômeno no futebol. a foto colorida de pantoja sendo carregado pelo escrete brasileiro enaltecia em brilho a festa nacional. a imprensa francesa o chamava de "le formidable", enquanto deus e o diabo testemunhavam o orgulho eminente que o olhar de pantoja expunha ao ouvir a sonoridade do seu nome pela voz dos comentaristas franceses: "luí pantojá".
V
deu entrevista coletiva com tradutores para dezenas de idiomas. pantoja aos poucos ia se adaptando a situação. riu timidamente quando um jornalista belga, que trabalha para uma revista de variedades em nova york, o indagou sobre o comentário oportunista que sharon stone fez sobre sua maneira algo "sexual" de fazer gol. ele não entendeu a piada, mas suas frases significavam furos de reportagem e rapidamente chegavam as páginas de jornais de todas as partes do mundo. em meio a um animado grupo de jornalistas, respondeu a um renomado crítico futebolístico do cazaquistão sobre os erros táticos de zagallo: "a gente tem que dar crédito ao professor. ora, com exceção da ana paula arósio, ninguém é perfeito", e os jornalistas caíam as gargalhadas.
como se encontrava gravemente contundido, nosso craque não jogou mais nenhuma partida na copa. mas o brasil foi campeão, apesar de não apresentar um bom futebol, fato que os críticos atribuíam a ausência de luis pantoja no ataque, como elemento fundamental de desiquilíbrio das partidas. podíamos ver inclusive no pomposo "apito final" da bandeirantes, os comentários de gérson a respeito da importância daquele primeiro gol brasileiro na copa: "a participação de pantoja foi fundamental: time brasileiro que não vence na estréia, não sei não", filosofava ferozmente.
VI
juntamente com o resto da seleção luis pantoja voltou para o brasil. fernando henrique cardoso e dois ou três ministros os esperavam no hall do aeroporto do galeão. nosso convocado, que se sempre se achara feio sob qualquer ponto de vista, agora era saudado por bronzeadas cariocas aos berros: "lindo, lindo, lindo!". exageravam, obviamente, mas sob o carro dos bombeiros o paraense desfilou pelas ruas do rio de janeiro ofuscando o brilho dos outros jogadores, que, no fundo no fundo, sentiam uma leve inveja de tão ascendente personalidade.
VII
pantoja nunca mais jogou futebol. os anos se passaram, e cada vez mais acreditava que tinha pendurado as chuteiras no momento ideal. já era rico, famoso, tinha todas as mulheres que desejasse e não havia porque sacrificar-se em novos esforços. mas pelo menos a velhice, passada confortavelmente em uma de suas muitas fazendas, o trouxe uma certeza: tem coisas na vida que não precisam ser explicadas.
junho de 1998.